Fui ao concerto de Andrew Bird no cinema São Jorge. Começou perto das 21h30 e durou algo como 2 horas. Duas horas essas que foram suficientes para alterar a minha percepção, talvez apenas temporariamente, e daí até talvez não. Pelo menos espero que esta clarividência continue comigo.
Sozinho em palco, descalço, acompanhado por um macaco de peluche e rodeado por 4 microfones, uns quantos pedais e uma engenhoca que só consigo descrever como uma bi-grafonola rotativa. Numa cadeira um violino, num suporte uma guitarra, e ao pé de um dos microfones um xilofone. Andrew Bird entrou em palco, pegou no violino e começou a tocar uma melodia, depois tocada em loop com a ajuda dos pedais e substituída no violino por outra melodia suplementar. Carregar nos pedais com os sapatos calçados dificulta o trabalho, e estes são prontamente tirados e atirados para ao pé das colunas, ao pé do macaco de peluche que provavelmente cura a "home sickness". Melodias de violino sobrepostas entre si, e sobrepostas por sua vez com voz, assobios (damn, I wish I could whistle like Andrew Bird), guitarra e xilofone, tudo, tudo, tudo comandado por um homem que vale uma orquestra.
Entrou em silêncio, mas logo após a primeira canção, já descalço, disse timidamente "Hello... My name is Andrew... I'm from Chicago. Pleased to meet you.", uma apresentação que deu um toque de intimismo a um concerto já de consideráveis dimensões. O concerto continuou, seguiram-se histórias de sonhos sobre culinária francesa e sobre zombies, de homens perdidos no fundo do bar e de gigantes de Illinois.
Às vezes o meu cérebro desligava. Conscientemente não se passava nada, nem a música. Quando acordava do torpor, estava meia perdida no tempo, pensando "O que é que aconteceu nos últimos 5 minutos?". Depois lembrava-me. Nos últimos 5 minutos tinha sido eu. Apenas eu. Não havia sala do cinema S. Jorge, não havia senhora sobre-excitada ao meu lado, não havia teste de matemática, nem exames nacionais, nem Universidades. Havia eu. Eu e a música, eu e Andrew Bird. No meu subconsciente passava a música, o violino, o assobio; só isso e nada mais. Vivi o momento e fez-se luz. Vai soar a cliché, mas não importa se se fica um ano para trás, não importa se a vida corre mal ou bem, se se está ou não chateado, se correspondemos ou não às expectativas. Viver o momento é viver a vida, e é só isso que importa.
A música de Andrew Bird é verdadeiramente a matéria da qual os sonhos são feitos, e por me ter mudado (nem que seja ínfima e temporariamente) ficar-lhe-ei para sempre grata.
Peace out!